01/06/09

Caminho

Há três dias que ando feliz da vida. Vivo num prédio cheio de velhotas cuscas onde há dois meses aterrou uma rapariga, que comprou a casa do terceiro andar direito. A casa dela é mesmo por cima da minha. Ela é linda.
De dia cumprimentamo-nos sorrindo, bom dia, tudo bem, bem obrigada, mas nunca avançámos muito mais. Excepto no dia em que tivemos os dois dificuldade em abrir a porta da rua e falámos mais uns minutos enquanto esperávamos que as chaves voltassem a funcionar. Nos sacos de compras trazia queijo e vinho, compota de morango e uma baguette. E uma lâmpada daquelas que poupam energia.
À noite, enquanto estou à espera que o sono chegue, ouço-a a passarinhar no quarto, ouço-a descalçar os sapatos de salto alto, ouço-a pousar a mala e as chaves, imagino-a a desapertar a roupa do dia, a tirar suavemente o vestido, a vestir a camisa-de-noite, que imagino esvoacante e rosa. Quer dizer, imagino não, eu vi-a a secar na corda da roupa há uma semana.
A rapariga é um pouco mais nova do que eu, dois anos ou qualquer coisa assim, mas não faço ideia o que faça, quero falar com ela mas tenho vergonha do que possa dizer. Se eu imagino tanto do que se passa na vida dela temo poder deixar transparecer o que sei. Não sei se isto faz sentido mas é assim.
Há três dias percebia-a a fazer as malas, ouvi as rodinhas a deslizarem pelo soalho do corredor, a porta a fechar-se e depois o silêncio. Foi passar o fim-de-semana fora, de certeza. Como tinha um jantar com amigos saí logo de seguida também, cruzámo-nos à porta do prédio, olá como estás? bem obrigada, vou para a praia, que sorte, quem me dera, vou para perto, havemos de combinar, ok, até segunda. Correu bem esta conversa. Fui para o jantar, que foi fixe, e quando voltei a casa pus em ordem o que estava atrasado, fiz uma máquina de roupa, arrumei a cozinha e fui estender os lençóis a secar.
Abri a janela para a noite quente que havia de despachar os lençóis molhados num instante. E na corda estava já uma t-shirt que não era minha, era mini, que não era das velhotas do prédio, era fashion e que só podia ser da minha vizinha de cima. Vou esperar pela chegada dela, vou levar-lha, vou pedir-lhe que a vista e vou levar também uma garrafa de vinho verde fresquinho que o tempo apetece e havemos de conversar e ficar amigos. A t-shirt cheira tão bem. Acho que estou a ficar apanhadinho.
Há muito tempo que não dormia assim tão bem.

1 comentário:

anniehall disse...

Mt bem .Estou a gostar muito desta revelação.