29/05/12

Sei tudo

Não tenho de fechar os olhos para imaginar o teu corpo por baixo dessa roupa toda. Conheço tudo, as formas, embora talvez estejas mais gordinho, as rugas, as expressões, os piscares de olhos repetidos quando estás farto de luz ou de fumo. Sei que levantas a mão em cumprimento quando passas por alguém, sei que vais fingir que não ouves se pessoas que não conheces te chamam na rua.
Percebo que estás cansado, estás velho como eu, sei que também tens os dias a colarem-se uns aos outros, que sobes a Calçada da Estrela cada vez mais devagarinho. Estás em modo reacção, quase como um objecto inanimado. Estás sozinho, apesar de teres tanta gente ao teu lado. Tens os olhos tristes de quem sabe antecipadamente, como um fado, as coisas que se vão, que estás a perder. A partir de um dia certo, que deve estar marcado num calendário qualquer, já só perdemos coisas, já não ganhamos nada.
Apesar de já não estar contigo, de já não me pertenceres fisicamente, foste meu. Há muitos e muitos anos. E, quando alguém nos pertence, ficamos a saber tudo sobre essa pessoa. Como agora, esse sorriso triste que quer dizer "gostei de ti". Eu também.