Não sei quando foi que comecei a sentir-me assim. Mas sei que já foi há muito tempo. Tenho o lado esquerdo do corpo todo cheio de um formigueiro horrível, que não me deixa dormir e também não me deixa estar tranquilo durante o dia. Não consigo afastar muito a mão do corpo.
Nos transportes públicos não consigo espreitar para o jornal do vizinho do lado, se ele estiver à minha esquerda - não que alguma vez o tenha feito, mas é bom sabermos que temos essa possibilidade se algum dia precisarmos de ler o que o vizinho do lado está a ler, não é?
Quando acordo de manhã, já não escolho as camisas que estão penduradas no roupeiro. Sou capaz de pedir a algum amigo que me ajude a dá-las a outras pessoas. Já só uso as t-shirts que vêm dobradas da lavandaria e que guardo nas gavetas baixas. Ser canhoto não ajuda. Também deixei de fechar os estores. O que vale é que a minha rua não tem muita luz à noite.
Também como não consigo dormir muito bem não faz muito mal.
O formigueiro talvez tenha começado no dia do teu casamento. Era o sinal final de que não podias ser minha. Era o sinal final de tudo o que tinha acalentado desde a primeira vez em que te vi, na praia, há quase 20 anos, dentro das tendas de lona de risquinhas. Conseguimos ser melhores amigos durante quase todo o tempo desde então. Mas há uns anos deixei de ser só teu amigo. Tinha sonhos contigo a noite toda, pensava em ti enquanto aquecia o café da manhã, ficava triste quando me contavas dos teus amores, perguntando-me pelos meus sem eu poder responder. Também acho que percebi quando apareceste apaixonada pela última vez. Eram aí umas quatro quando me ligaste a contar. Acontece que comecei a dormir mal nessa noite.
É que o lado esquerdo é o lado do coração e o meu, meu amor, está muito triste.
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