26/11/08

Olhe que eu sou cardíaco

O que é que faz com que às sete da tarde eu caminhe pelo jardim escuro do Inverno ao lado de um senhor que vai dizendo "olhe que eu sou cardíaco" enquanto procura afastar a razão do seu susto? Coisa estranha esta minha constante vontade de ajudar os transeuntes, ser simpática com pessoas que não conheço de lado nenhum e que, muito provavelmente, nunca vou voltar a ver. Estranho.
O "olhe que eu sou cardíaco" apareceu, repetido várias vezes, quando eu ía a sair do carro, estacionado clandestinamente para não ter de pôr moedas no parquímetro. O motivo do susto era um labrador branquinho, daqueles adoráveis e amorosos, que não fazem mal a uma mosca porque, penso eu, têm todo o mimo do mundo. Tenho uma amiga que teve um. São uns cães lindos.
Mas, no escuro do jardim, o senhor assustou-se. Eu pensei que ele pensou que o cão era meu, porque o primeiro aviso da condição cardíaca foi feito na minha direcção. Assim, dirigi-me rapidamente para o cão, que tentei chamar sem lhe saber o nome e a quem dei umas festinhas. O senhor ía andando e eu, para tentar acalmá-lo e uma vez que a legítima dona do cão já se tinha aproximado dele, fui também caminhando lado a lado com o senhor.
Fui-lhe dizendo as coisas que aprendi no curso de socorrismo, respire fundo, acalme-se, o cão não faz mal nenhum, estou aqui e protejo-o (aliás, acho que isto é o que eu digo ao meu filho quando ele vê um cão a aproximar-se dele). E o senhor lá acalmou. E, eu e o meu novo amigo, fomos andando ao lado do jardim.
Então ele justificou-se. "Sabe, é que já tenho muita idade e, ainda por cima, sou cardíaco". E disse-me quantos anos tinha. É da idade do meu pai, penso eu. Mas agora que estamos à luz, tem razão, o senhor é muito velho. O meu pai tem, pelo menos, menos dez ou 15 anos que o senhor. Tenha uma boa vida então e obrigado, diz-me ele. Ficámos amigos. Nunca mais o vou ver.

Nuvens e flores

O meu filho sabe fazer nuvens e flores e, no meio, desenhou os seus típicos bonecos de cabeça grande e sorridente de mãos dadas. Se eu fosse psicóloga poderia dizer que o meu filho é feliz. Como só sou mãe posso dizer que eu estou feliz.

Gostei de ler

No blogue brasileiro Carolina Nina Ina encontrei uma compilação daquelas mesmo boas para ler à segunda de manhã quando estamos a desemperrar do fim-de-semana. Hoje é quarta, bem sei, mas qualquer dia é bom para nos rirmos um bocado.

"Irrita pouco viu...

- Pessoas na calçada, sentido oposto ao meu, não sabem desviar e fica aquela dancinha boba irritante.
- Caneta com tinta seca.
- Clips estilo “correntinha” (tem sempre um morfético que junta tudo e na hora da correria é uó)
- Açúcar empedrado (adoro essa palavra)
- Quando o shampoo acaba e só tem outro novo do lado de fora do banheiro.
- bolinhas nas unhas após pintá-las
- Telefone ocupado
- Ligação perdida e celular sem crédito.

- Fila fake na balada
- Banco “suado” no metrô.

- PC lento.
- Guarda-chuva cretino que após um vento, vira e te deixa na mão.
- Meias molhadas.
- TV aberta aos domingos.
- Papel de bala vagabundo que não desgruda fácil dela.
- Baratas do verão.
- Chinelo de ponta cabeça.
- Números restritos “este número não pode ser chamado”
- Cantada feita por um sujeito no carro e você a pé: logo, não é possível ouvir a linda frase completa.
- Telefone fixo com fio curto
- Fone de ouvido bagaceiro que logo na primeira semana só um lado funciona.
- Sacola furada
- Ajuda do Windows (palavrinhas banais: você escreve “quiz” e ele, sem a tua permissão muda para “quis” e depois no doc impresso você descobre que amigão ele é)
- Ampulheta do PC.
- Bala de canela
- Bombom de banana
- Alface roxa
- Atendente blasé
- Atendente puxa-saco que logo de cara te elogia.
- Eternos setores de grandes empresas no Call Center. Uma verdadeira brincadeira de batata-quente. O pior é você contar a mesma história para mais de 5 pessoas. Chega uma hora que vira telefone sem fio. A história perde alguma parte no caminho e te colocam em xeque-mate.
- Vendas frenéticas. Experimentar roupa e após 5 segundos, você escuta da cabine: “E aí, ficou bacana¿ Como ficou?”
- Cadarço desamarrado e você atrasado.
- Abraço “frouxo”
- Aperto de mão “molenga”
- Ao ser apresentado a alguém, aquele impasse chato e que precisa ser resolvido muito rápido: primeiro beijo no rosto e estende a mão? primeiro a mão e depois o beijo? ou os dois simultaneamente¿
- Ao cumprimentar alguém você dá um beijo no rosto e a pessoa quer mais um. E sempre rola aquela risadinha "amarela"
- Moeda no fundo da bolsa quando você precisa para completar a grana.
- Controle remoto da TV que toma chá de sumiço quando você está deitado.

A vida tem lá sua graça quando notamos nos detalhes a acidez que ela nos oferece!"

É claro que há algumas coisas que eu não percebo (o que raios é um cadarço, um chinelo de ponta cabeça ou fila fake na balada?). Mas, no geral, está muito bom. Deixei à rapariga um comentário, a acrescentar algumas das coisas que me irritam:

- telefones que deixam de funcionar justamente quando vamos ouvir "amo-te" ou as direcções que precisamos de conhecer;
- blogs que parece que fomos nós a escrever, mas não fomos;
- um convite para ir à praia e não ter ido à depilação;
- estar sentada à frente do computador com um deadline e não sair uma única ideia;
- achar que estamos estáveis e, de repente, uma música ou uma imagem nos pôr a chorar (ou isto são as hormonas?);
- não ver os amigos anos seguidos e quando os encontramos sentir que perdemos a ligação;
- tampa de sanita levantada;
- pasta de dentes sem tampa;
- pacotes vazios no frigorífico ou na despensa;
- ...


Hoje

Sinfonia de portas explosivas, pequeno-almoço para os putos enquanto eu finjo que durmo. Adoro estas manhãs bem-dispostas.

25/11/08

Praia

Afinal

O meu entusiasmo inicial com o Natal já se estragou. Sinto-me um bocado frágil, em terreno escorregadio. Não passem músicas nostálgicas na rádio por favor, não me mostrem fotografias, não me contem histórias tristes...

Há alturas em que tudo parece convergir para os pensamentos que nos atormentam e que queremos tornar mais cor-de-rosa. No Domingo uma história triste duma rapariga que conheço da escola e que sem eu o saber passou um mau bocado. Perdeu a mãe muito nova e os filhos dela nunca puderam conhecer a avó. Continua a passar um mau bocado. É nisso que penso quando vejo os meus filhos crescer. Que o meu irmão haveria de ter adorado conhecê-los, brincar com eles, estar com eles. E o raio do Natal é uma das piores alturas. É muito bom para quem está feliz da vida, mas para quem tem uma mágoa permanente não é bom. É duro.

Ao mesmo tempo, vou fazendo, sorrateira, as minhas compras de Natal. Gosto do Natal, mas não gosto. Ambivalência em acção.

By appointment

A pedido:

Tivemos um fim-de-semana fantástico. Ainda bem, porque é por causa de coisas boas como estas que os miúdos pensam que estão a ter uma infância boa e é também de coisas destas que se vão lembrar quando forem grandes e estiverem a trabalhar e virem os dias e as semanas passarem um pouco depressa demais... deprimente, eu sei, mas é esta a triste vida da nossa sociedade.

Li um estudo que diz que questionados sobre a infância os adultos se lembram melhor das brincadeiras ao ar livre e com "brinquedos" inventados. Por isso, este Natal só vou dar livros aos miúdos da minha vida. Foram os melhores brinquedos que tive. Passava horas a ler e horas a sonhar com o que lia. Um livro faz mais pela imaginação do que mil brinquedos, desenvolve a linguagem, previne os erros ortográficos...

O fim-de-semana partido em dois, Sábado vela no Tejo, num barco lindo e luxuoso, que vale a pena ver, um Dufour 385. O vento esteve envergonhado, mas ainda deu para fazer algum exercício e para apreciar a vista. Quem andava ao leme ganhava uma alma nova, Lisboa vista do rio é ainda mais gloriosa. E a luz de Lisboa é sempre magnífica. Figos secos com amêndoa e biscoitos.

Domingo, praia outra vez, até já temos receio de ir, como é que conseguimos tantos dias assim bons em Novembro? Os miúdos em fato-de-banho em bando a brincar pela areia fora. E o céu lindo. Ah, e o pai-herói a fazer body-board em calções e t-shirt, a água gelada e toda a gente com fato completo.

Segunda, já não conta como fim-de-semana, mas vela outra vez, era para ser a última aula, mas ainda vamos ter mais uma deste curso e depois sei lá mais quantas. Ventosga, a série de abdominais mais completa da minha vida, a ver se não caía do barco inclinado a 45º, acho que era isso, e os pés fincados com força. Frio, o mar e o rio gelados. Chegámos à ponte num sopro. De regresso, um enorme navio de cruzeiro, Lisboa anda cheia deles. Que paz.

Sons de miúda

Gostei sempre de ouvir a Mafalda Veiga. Acho que é tão calminha...



E continua a ser calminha, mas tem sempre uma genica grande lá no fundo da voz.



(Este não é propriamente o clip mas o que interessa é a música)

20/11/08

E... as ambulâncias?

Houve uma fase em que ficava muito aflita quando começava a ouvir sirenes de bombeiros e ambulâncias especialmente. O barulho das sirenes angustiava-me e apertava-se-me o coração, a pensar no sofrimento dos que íam na ambulância ou que aguardavam por socorro e das suas famílias. Até que a minha mãe, que é super positiva, apesar de tudo, me disse para eu pensar que era uma grávida que ía ter um bebé, portanto, um momento feliz. Tranquilidade e ambulância são duas palavras que não são para ser usadas na mesma frase, por isso, continuo a sentir-me um pouco angustiada quando as ouço.

Boa viagem

Quando vejo passar um avião - e ultimamente vejo muitos, não sei porquê - tenho a mania de desejar sempre boa viagem aos seus ocupantes. Eu sei que não serve de nada, mas é uma espécie de superstição. Eu não sou supersticiosa e ainda por cima não acredito muito na sorte, mas às vezes tenho tiques estranhos.

Como passar pela casa de amigos e desejar que tudo esteja bem com eles. Como comprar um anjinho para a minha vizinha que está mesmo muito doente a ver se se põe boa. Como pensar muito com os olhos fechados com muita força a ver se a mãe de uma amiga que tem dias de vida se põe boa. Como achar perfeito como despedida o título do filme - que nunca vi - Good night and good luck.

O que é que poderá acontecer se vir o avião passar e não desejar boa viagem?

19/11/08

Descalços

Os meus filhos adoram andar descalços. Como eu.

De choco

Acho que estou com gripe. Um resfriado, pelo menos. Há dois dias andei cheia de dores nas pernas, ontem sentia-me mal e cansada, hoje estou com arrepios de frio e dói-me a cabeça. Só me apetece ir dormir. Já tomei um ben u ron, tenho andado a infusões de camomila e a torradinhas. Pelo meio fui comprar as prendas para a minha mãe, que faz anos hoje. Sem grande energia, lá consegui encontrar o que queria. 

Agora, estou escondida debaixo de uma manta verde, feita com tecido de sobras que comprei no Vidal em Campo de Ourique, onde adoro ir, mesmo sem saber costurar (só botões). Mas quando vou lá, fico a achar que se comprasse uma máquina de costura e tecidos era capaz de conseguir fazer vestidos e camisas perfeitos para os meus filhos ou até para mim... Nunca aprendi a coser na Singer antiga da minha mãe, uma daquelas com mesa e tudo, dá-se ao pé e treco treco lá vai aquilo a fazer magia. Ok, uma vez consegui a proeza de espetar a agulha num dedo ou se calhar isso era o pesadelo que eu tinha de cada vez que me aproximava da máquina, já não sei. 

Assim, no Vidal tenho de passar todo o tempo a lembrar-me a mim mesma que nunca consegui que nada de tecido ganhasse forma ao passar pelas minhas mãos. Bem, mas a minha manta verde consegui fazer. Era uma sobra em forma de quadrado, só tive de fazer uma orla e pespontos azuis escuros a toda a volta. Acho que a minha mãe me ajudou. Esta manta é casa e adoro quando chegam os primeiros dias de frio e a tiro do roupeiro onde passa o Verão e a lavo para pôr a uso.

18/11/08

Ruptura

Quando estou cansada em geral ou farta de alguma conversa, divirto-me a pensar em possíveis pontos de ruptura. Pontos de ruptura são ideias ou afirmações que vão provocar uma reacção diferente da normal nos outros interlocutores, desde o riso desabrido ao choque ou só desconforto. E então, penso em qual será o assunto que melhor provocará essa ruptura. Há pessoas que são fáceis, é só falar sobre o corpo, sobre gases ou sexo. Coisas inesperadas produzem sempre melhor resultado. Como da vez em que o meu avô estava a pregar sobre a moralidade, de costas para a televisão. O pior é que atrás dele, um homem e uma mulher estavam enrolados aos beijos.
Pontos de ruptura são geralmente coisas em que penso e que nunca digo. Divirto-me com isto e não magoo ninguém. Ao mesmo tempo, deixo de prestar atenção à conversa e deixo de ter ar de seca. É melhor para todos.

17/11/08

Desejos para o Natal

Querido menino Jesus,

Este Natal, gostava muito de receber livros giros, positivos, daqueles que devoramos num misto de ansiedade e tristeza pelo fim que se aproxima. Não sei quais. Só o Philip Roth, que ando há que tempos com vontade de ler. Mas se for muito dark não. Também podem ser uns livros técnicos, que são sempre um investimento. Também gostava de uma máquina fotográfica daquelas a sério, com um sensor rápido, que permita apanhar os miúdos quando eles ainda estão à frente da câmara.

O meu filho quer a casa dos Gormiti e os gormiti e a pista das motas do Spiderman. Acho que o canal Panda anda a investir nas horas da manhã - em que os pais aproveitam para conseguir mais meia horinha de sono - para encharcar os putos em anúncios de brinquedos.

A minha filha ainda não percebe nada disto. Hoje consegui comprar três brinquedos e, apesar de ter querido andar abraçada a eles na loja, esqueceu-se deles assim que a sentei no carro. Santa ingenuidade.

Bem sei que o Pai Natal hoje é mais popular, mas em minha casa foi sempre o menino Jesus. Assim sendo, quero pedir também a típica Paz no Mundo e cá em casa também. Se não der muito trabalho. Obrigada.

Aos 23 meses

Uma frase super completa. Mãe orgulhosa que, no entanto, não consegue manter-se actualizada quanto às milestones da mais pequena. Com o primeiro sabia tudo, desde quando é que os esgares sorridentes são sorrisos em vez de gases até quando é que era cedo demais para saber os nomes dos peixes todos do livro do mar. Aos 14 meses era. Charroco, peixe-lua, peixe-mú (o oficial era peixe-vaca), robalo, linguado... E carro, em vez de popó. Começou a falar correctamente estupidamente cedo.

Esta vai ao ritmo dela. Fala muito também. Há dois dias perguntou: "Mamã, pocho abrir a porta agora, pocho?" Só apetece encher de beijocas.

15/11/08

À porta fechada

Hoje de manhã, ao sairmos de casa, o elevador decidiu ficar trancado connosco lá dentro entre dois andares. Quatro pessoas mais casacos de Inverno, que hoje esteve frio, mais três sacos enormes com roupa para dar. E ainda mais um banco novo para o carro.

O elevador é pequeno. Estivemos lá mais de 40 minutos. Primeiro porque o elevador não tem alarme!!! Depois porque ninguém nos ouvia a bater na porta. O que ouviu, e que acabou por conduzir o nosso salvamento, pensou que o barulho eram obras...
Do telemóvel, tentei telefonar para o 112, porque não tenho o número dos bombeiros aqui da zona. Não tinha rede. Estranhamente, consegui ligar para os nossos vizinhos de baixo, que estavam a ouvir as "obras" e que lá andaram à procura da chave para abrir o elevador. A chave não apareceu. Ligaram para a empresa de manutenção, que tinha de fazer ainda a viagem até chegar. Ligaram para os bombeiros que depois de várias tentativas lá conseguiram abrir o elevador.

Os miúdos portaram-se impecavelmente. O pai, que antes tinha muito medo de ficar trancado dentro de elevadores, também. Hoje senti o momento em que decidiu que não ía entrar em pânico. Foi uma decisão consciente. A nossa mente é uma coisa fantástica.

Benditos bombeiros, que ainda tiveram tempo de dar um autógrafo ao meu filho que gosta muito de bombeiros.

Depois fomos almoçar ao Noobai, comi uma bela salada de queijo de cabra, pena os verdes por temperar.

14/11/08

Chocolate (2)



Ok. Hoje comi o melhor chocolate do mundo. O chocolate que me sabe a infância. O chocolate que me sabe a raridade. O chocolate que sabe a lojas raras e a boutiques de café, como as da Baixa e do Chiado. Com uma embalagem nova, brilhante e linda. E, por dentro, o mesmo sabor de sempre. Que delícia. A marca Regina. A fábrica Imperial. Ainda bem que a Regina persiste.

12/11/08

A caminho...

Este ano estou muito contente com a aproximação do Natal. Sinto-me super em paz. Sei que o mundo está um caos, que há tristeza e miséria em toda a parte. Não digo que não faço a minha parte. Tenho três sacos cheios de roupa à porta para entregar e vou escolher brinquedos dos miúdos para dar aos que não têm (mental note: os miúdos não precisam de muitos brinquedos, precisam é de nós). Sei que há muitas coisas más. Mas tenho de começar por dentro, pelo micro-cosmos.

Este ano, estou em paz com o Natal. Sempre adorei festas. Adoro festas. Adoro o Natal, o carnaval e a Páscoa, os aniversários todos, os feriados, adoro o pão por Deus, o São Martinho... Tudo o que for festa eu gosto. Mas paz com o Natal é especial. O Natal é uma altura complicada. Os miúdos vieram simplificar tudo. Esforçamo-nos por lhes mostrar as partes boas. Não vamos às compras com eles. Vamos ao Chiado ver os enfeites, vamos às feiras, cozinhamos com eles. Pedimos ajuda para enfeitar a casa. Tudo pouco comercial. Eles não precisam disso. Nós temos de meter na cabeça que também não precisamos.

Mesmo assim, acho que ainda é cedo para enfeites e para árvores de Natal. Esperem mais um pouco. Deixem gozar as castanhas do Outono.

Arrepio

Dá-me um arrepio na espinha de cada vez que vejo amigos ou conhecidos que, de repente, ficaram com um ar precocemente envelhecidos. Seja pela roupa ou pelo aspecto pouco cuidado, ser novinho e ter ar de velhote faz-me pena.

É o mesmo que se passa com pessoas com quem me cruzo na rua, nos transportes, na escola do meu filho. O ar carregado, o sobrolho fechado. Há pessoas que nascem assim, mas mesmo assim, porque não se riem? Não brincam nos escorregas com os filhos? Não se deitam no chão a fazer cabriolices para eles se rirem? Não cantam para os fazer perder a vergonha?

Como é que isto aconteceu? Foi devagarinho, sem ninguém dar por isso, um pullover beige ou castanho de cada vez? Quando deixaram de usar a cor? As primárias: o azul clarinho, o amarelo e o magenta? E o branco? E todas as outras? O laranja, o azul petróleo, o verde...

Há pessoas a quem o castanho fica bem. Pessoas clarinhas. À maior parte da população portuguesa o castanho fica mal. Faz desaparecer a pouca cor que há, especialmente se for usado no Inverno. Eu sei que o castanho me fica mal. Sinto-me toda da mesma cor.

E os cabelos? Porque é que deixam os brancos tomarem conta das cabeças jovens, tornando-as pesadas? Benditos cremes de coloração ou tintas ou o que se seja.

Como gosto de imaginar o que se passa nas cabeças e nas vidas dos outros, fico sempre a pensar se acharão o mesmo de mim. Não quero que me vejam precocemente envelhecida. Chegará o dia. Antes não.

À noite

Quando vamos dormir, tenho os pés gelados e tu quentes.
De manhã, quando acordamos, tenho os pés quentes e tu gelados.

Gosto de ti porque me completas.

11/11/08

Do outro lado do mundo

Uma história tristíssima do outro lado do mundo - uma mãe que procura ensinar ao seu filho o pai, que morreu dois meses antes dele nascer. 

"Rir não é alegria nem tristeza. Gargalhada não é sorriso. É um respiro no meio de tudo, um respiro muito bem pensado. Talvez para tomar fôlego e continuar o caminho. Comigo acontece sempre: estou sentada à mesa e bato o joelho sem querer no tampo ou num dos pés do móvel. A dor é tamanha que começo a gargalhar. E a dor chega a não parecer dor". 

Lembro-me do meu irmão mais pequenino a rir-se muito na cadeira do dentista. E o médico, muito espantado, "mas não te está a doer?". E eu e os meus irmãos mais velhos enroscados nas cadeiras cá fora, como se a dor que ele sentia e que estava a tentar disfarçar com o riso estivesse em nós também. As ligações humanas são fantásticas. Como podemos ignorar o sofrimento dos que são iguais a nós?

Chocolate

A vida toda brinquei com a minha mãe por adorar chocolate. Adorar mesmo, do tipo gostar mais de receber chocolates do que colares e brincos. Até houve um dia em que deu ao meu namorado uma tablette de chocolate gigante da Milka, que ele pediu para guardar. Nunca mais a viu.

E eu brincava porque o chocolate nunca me maravilhou.

Quando era pequenina gostava das tablettes Belleville que usávamos para fazer mousse, nunca percebendo como pode alguém fazer mousse de pacote - é a coisa mais fácil de fazer do mundo, só são precisos seis ovos, seis colheres de sopa de açúcar e uma tablette de chocolate. Em menos de cinco minutos está pronta e é uma delícia. Mas, quando era pequenina, não posso dizer que adorasse mousse. Comia sempre pouco. O que gostava mesmo era de a fazer. Foi a última coisa que cozinhei para o meu irmão no hospital. Sempre que faço mousse penso nisso.

Quando era pequenina gostava dos chocolates Regina com sabores de fruta, o morango era o meu preferido. Regra geral, escolhia chocolates fininhos ou bombons de ginga. Adorava aqueles grandes azuis com desenhos prateados e vermelhos e, enquanto comia o bombom, alisava a prata, lembrando-me sempre de que o meu pai em miúdo tinha uma vez resolvido um furo num pneu do carro com uma prata que retirou da sua "colecção privada". Esta é uma das razões para o meu pai ter sido sempre um herói para mim. Isso e a "batata" dos rangers.

Depois tive um filho. E depois uma filha. E quando fiquei grávida desta sonhava durante a noite (e o dia também) com chocolates, com fondue de chocolate, com mole chileno, com chocolate. Deve ter sido por esta altura que vi uma reportagem sobre a Feira do Chocolate em Óbidos. Casas de chocolate como a de Hansel e Gretel, fontes de chocolate, chocolate, chocolate, chocolate...

Hoje dou por mim a visitar os amigos que moram no andar de baixo na demanda de um pouco de chocolate no fim do jantar. E sempre com um vago sentimento de culpa, que isto de uma coisa saber tão bem só pode fazer mal à saúde... Compenso comprando chocolates com 80 por cento de cacau. Porque assim sim, faz bem à saúde.

10/11/08

Fruta


A loucura é como uma tangerina.

Hoje dei por mim com esta frase a martelar nos ouvidos quando ía de carro para a escola. Sempre que vou para a escola lembro-me de imensos potenciais posts, de que depois me esqueço. Excepto os que anoto. Hoje anotei.

A loucura é como uma tangerina. Redonda, arrumadinha, concentrada. Começa a descascar-se aos poucos. Deixa cair a sua capa espessa e que nos suja as mãos com um cheiro inconfundível, deixando-nos as unhas pintadas de amarelo.

Revela-se sumarenta, ácida ou doce, colorida e saborosa. Geralmente, está escondida. Mas tem sempre uma explosão de sabor. Então as primeiras tangerinas, que comemos avidamente como se a vida dependesse disso... É como quando percebemos a loucura de alguém. Não queremos acreditar que é possível. Espreitamos melhor. Outra vez. Pensamos como foi isto possível? O que é que despoletou isto? O meu irmão tem uma teoria que acho que diz que a partir dos 40 anos toda a gente "flipa". Digo-lhe que já toda a gente era maluca antes. Ele diz que é aos 40. Digo que são educações diferentes, isso é a base de tudo.

Sempre adorei o som da palavra tangerina. Sempre odiei o cheiro a tangerina nas casas das outras pessoas que cheiram a tangerina o ano inteiro, mesmo quando há uns bons anos atrás as tangerinas só apareciam no tempo delas.

09/11/08

Delish

Um fantástico dia de praia em Novembro tem o mesmo sabor de ir à Feira de S. Pedro de Sintra. É raro e é delicioso. Praia, os miúdos de fato-de-banho, fruta a escorrer pelo corpo abaixo sem ter de a descascar, mãos a cheirar a tangerina e abelhas malucas, calor e sol.

E yoga na praia, para miúdos e para crescidos, uma ideia fantástica e inesperada. Puxar pela imaginação para fazer o relaxamento com o mais velho a dizer que tem de fazer cocó, aguentar o riso na posição invertida quando a minha filha me salta para as pernas como faz sempre, obrigando-me a dar uma espécie de cambalhota contorcionista, aguentar o riso outra vez quando me salta em cima da barriga "ah cavalinho" como fazemos sempre e toda a gente a tentar concentrar-se muito, excepto eu. Mas é sempre assim.

O melhor do mundo. Os risos dela.

Imaginem que estão numa praia, diz o professor também entretido com a facilidade da visualização, ouvindo as ondas ao fundo, a areia enrolada no cabelo, o corpo todo enrolado na areia. O professor vai frisando que é fundamental o sorriso, porque um dos objectivos do yoga é pôr o corpo a sorrir por dentro e por fora. Ou, se calhar, ele não disse nada disso e eu é que acho.

Que dia fixe.

22h30

Um pai com miúdos que andam a dormir mal é capaz de ideias muito estranhas e maquiavélicas. Ontem, por causa de um jantar em casa de amigos, os nossos filhos deitaram-se às 22h30 em vez das 20h30/21h habituais. Na noite anterior tinham andado a berrar alternadamente.

Mas porque é que os putos berram durante a noite? E, por isso, passamos a noite a pensar se serão pesadelos, se será mimo ou falta de mimo, se será frio, se será o nariz entupido, and so on and so on.

Bem, então ontem, o pai dos miúdos berrões (que pensa que berros durante a noite equivale a tortura) entrou na sala com um ar triunfante. Isto porque ao ir ao quarto deles, teve de acender temporariamente a luz. E eles, que dormem no mesmo quarto para afugentar monstros e para facilitar eventuais verificações nocturnas (e também porque partilhar o quarto com irmãos é a melhor coisa do mundo, porque eu sei), reagiram incomodados à luz. E fez-se luz na cabeça do pai deles. Bastava que passássemos a ser nós a acordá-los, para que percebessem que era uma chatice serem acordados e extrapolassem para a vida deles a teoria. Engraçado, não? Como castigo por esta ideia, a mais pequena berrou ininterruptamente durante duas horas esta noite.

"Quero a minha mamã", depois "quero o meu papá" e, por fim, rendida às evidências de que não ía ter nem um nem outro, "quero o Noddy". Claro que nos largámos a rir. Hoje o dia todo foi com um olho aberto o outro fechado.

06/11/08

À leitora mais comentadora

Por acaso até se aplica ao dia de hoje: está sol, apesar do frio, está um dia bonito, apesar de estar em casa, com os cortinados baixos para não me tentar com as visões da rua. E estou a trabalhar... Quem me dera o paredão de Oeiras, um carioca de limão em chávena grande e conversa ou ler a Sábado a ver o mar e os barcos e a vida.

Há uma outra versão de Pink Martini, um grupo de que gosto muitíssimo, mas este vídeo era mais bonito.

05/11/08

Go girl

Sempre que ouço as músicas da Rita Redshoes fico super orgulhosa de ser produto nacional. Como quando ouvi "I'm like a bird" numa loja em plena Fifth Avenue e fiquei super contente por causa da miúda ser luso-canadiana - ou seja meia portuguesa. Fiquei contente por causa da Nelly e também por causa da Rita Redshoes. Boa miúdas.

Just do it

Na maior parte das vezes, as palavras saem sem crise nenhuma. Os textos vão-se escrevendo e chego ao fim do dia satisfeita com o que escrevi. Depois há outros dias, como hoje, em que tenho mesmo de escrever e não sai nada. Em que a internet ganha claramente - hoje Obama ganhou, há blogues para actualizar e para ler, tenho que preparar a aula da noite...

Depois, pensando friamente, lembro-me da avaliação que um amigo cibernético que nunca vi fez: se és jornalista freelancer, então não tens desculpa para não teres ideias. O que tens a fazer é sentares-te ao computador e escreveres.

Tens razão. É o catch frase da Nike.

04/11/08

Porquê?

Porque é que as miúdas brincam com bonecas e os miúdos gostam de andar à luta?

Speed

Ontem tive uma aula alucinante com um professor altamente estimulante. A aula incluiu informações que ainda não consegui processar, apesar de só ter conseguido adormecer às 2h30 da manhã com a excitação.

A sensação era semelhante à que se tem depois de jogar Tetris durante um bom bocado. De olhos fechados, vêm-se as peças passar a grande velocidade e estamos sempre a tentar resolver o puzzle, acabando com as linhas, cada vez mais depressa, cada vez mais depressa...

A sensação de andar de patins também é mais ou menos assim, deixa memória, neste caso física, e durante a noite sentem-se as rodas a deslizar debaixo dos pés.

Pois esta noite vi passar em fast motion todas as imagens que vi durante a aula e o exercício que fizemos refi-lo milhares de vezes, até estar lindo. Até estar perfeito.

Dúvidas

Não há mãe sem dúvidas. Julgo mesmo que os dicionários deveriam incluir essa informação na entrada mãe. O dicionário da Língua Portuguesa Online da Priberam diz que mãe é "a mulher ou qualquer fêmea que teve um ou mais filhos; mulher que dispensa cuidados maternais; mulher caridosa e desvelada; madre; ...". Acho que deviam acrescentar "fémea cheia de dúvidas".

Mãe que diga que nunca teve dúvidas deve ter tido sempre em permanência ao seu lado um pediatra, uma ama daquelas antigas e um professor das mais variadas áreas. Pelo menos.

Todos os dias as mães, ok, eu tenho dúvidas em relação ao que faço/digo/mostro/proíbo/dou aos meus filhos. Se faço/digo/mostro/proíbo/dou de mais ou de menos. Se tomo as decisões correctas. Se está calor a mais para tanta roupa ou frio para os calções do miúdo. Se temos pequeno-almoço para todos, incluindo a que ainda não pode comer iogurtes com morango. Cá em casa os iogurtes são quase todos de morango. Beijinhos e abraços é que nunca são de mais. Dúvidas fazem parte do conjunto.

Abençoado o pediatra que ontem me disse que "é estatisticamente impossível que uma criança nunca tome antibióticos". Que alívio.

Só não tenho dúvidas sobre o tipo de vida que quero que eles tenham. Quero que se sujem e vivam na rua, quero que corram e saltem e caíam e que se levantem. Quero que mexam nas coisas, mesmo nas nojentas, como lagartixas e lesmas. Porque eu também mexo.

03/11/08

Dualidade

O meu filho é rapaz. Sempre gostou de carrinhos. Sempre adorou lutas. Gosta de jogar à bola.

A minha filha é rapariga - com um irmão rapaz. E isso faz toda a diferença. Sempre gostou de carrinhos. Gosta de lutas. Gosta de jogar à bola.

A minha filha anda com os carrinhos dela dentro de uma malinha super chique. É essa a diferença.

02/11/08

Puericultura

Desde que nasceu a minha sobrinha mais velha, que já tem sete anos, que me maravilho com uma faceta da minha mãe que desconhecia. A faceta de avó. Uma avó muito fixe, prática e com uma energia inesgotável, de ver a trupe dos cinco entrar pela casa a correr e a saltar todos os dias, sempre cheios de fome da escola, sendo que dois são quase residentes a tempo inteiro. Uns berram, uns esperneiam, uns batem-se, outros berram, vomitam, correm, comem... Ok, ao fim-de-semana os avós têm mais ou menos folga dos putos, mas é uma folga ligeira.

Também me maravilho ao ver que a minha irmã é igual à minha mãe, uma espécie de tenda gigante com imenso espaço lá dentro e com uma paciência quase infindável para os miúdos. Mesmo quando estão a passar por fases ou quando estão com sono - as desculpas de qualquer mãe minimamente civilizada para as crises de mau feitio dos filhos.

É vê-la a arrastar os três miúdos estrada acima estrada abaixo com um ar feliz da vida, até se arrisca a metê-los dentro do carrinho das compras e ir ao continente ou qualquer coisa assim do estilo. Eu digo arrastar, ela diz que não é arrastar, eu digo arriscar ela diz que precisa mesmo de ir eu digo eu não vou - por aqui se vê. A minha mãe também era assim connosco os quatro. Íamos para onde fosse, sempre todos, quatro miúdos. Quatro miúdos. [Como é que nos dava a mão a todos? Como é que nós não fugíamos? Como é que...?] Lisboa em geral, Campo de Ourique, Casa da Moeda para a ginástica do mais velho, Algés, onde fosse. De transportes públicos.

E ainda nos fazia a roupa a todos, calças, camisolas e fatos-de-banho incluídos e a comida para todos (às vezes comprávamos frango assado ao Domingo) e só tinha uma senhora para ajudar à quarta-feira, durante cinco horas. A minha mãe é um motor de elevada potência. Quem me dera ter metade da genica dela. A minha irmã também é um bocado assim. Então com os miúdos, "são cinco? Venham..."

Mas estou a divagar.

O que quero é contar uma das coisas que me maravilha na minha mãe enquanto avó e que, parece, se repete em muitas outras avós da sua geração. Quando se suspeita que um dos putos com fralda tenha cocó, a minha mãe e as tais outras avós espetam um dedo dentro da fralda para verificar a teoria. Um dedo dentro da fralda! Só há duas hipóteses: ou tem ou não tem. E se tiver, tem duas hipóteses: ou tem sorte ou tem azar. E, se tiver azar, o que acontece mais vezes, o dedo faz a prova viva do suspeito cocó. Porquê? Terá sido algum fantástico curso de puericultura que as avós desta geração fizeram? Hoje evitamos ao máximo qualquer contacto com essas substâncias. Antes, as fraldas eram mesmo lavadas à mão, não havia nada a fazer. Deve ser por isso.

01/11/08

Tolices (2)

Sabia que não ia chegar ao fim do dia sem me lembrar de mais uma tolice.

Quando era pequenina, mas já tinha algum dinheiro, torrava-o todo em pastilhas Super Gorila, de todas as cores, 2$50 cada uma. Houve uma altura em que preferia as cor-de-rosa e outra em que preferia as vermelhas, mas o que eu gostava mesmo era de mastigar aí umas dez ao mesmo tempo. Um pacote inteiro, não sei quantas tinha, mas isso é que era o paraíso.

Lembro-me de fazer uns balões tão grandes que quando rebentavam ficava com a cara toda melosa de pastilha elástica, uma vez até tive de cortar um bocado de cabelo para me safar da pastilha. "Those were the days", como rezava a série do cabeça de abóbora e da Gloria. Hoje já não como quase nunca pastilhas elásticas - acho que é só um vício gregário, como o tabaco ou usar dreads.

Seria eu a campeã dos balões de Super Gorila? Não sei, já não me lembro, mas que tinha bons lançamentos tinha. E tinha outra especialidade - esta é que é a tolice - não sei se era a única ou se fui eu que me lembrei disto: arrancava os bicos dos lápis de cor e mastigava-os juntamente com as pastilhas para ter balões de todas as cores. Cor-de-rosa, vermelhos, azuis, verdes ou pretos, isso é que era surpreender os amigos. Que é hoje feito das pastilhas Super Gorila? Os miúdos ainda juntam os tostões para as comprar?

Tolices (1)

Houve uma altura da minha vida em que pensava que o Mundo era muito fininho. Já sabia que era redondo, por isso, não era de ver o planisfério impresso em folhas de papel - do tipo "olha isto é o Mundo" e eu "eh pá, é mesmo fininho". Nada disso.

Na quinta onde passava férias em pequenita havia um monte colado a casa. Um monte de entulho, penso. A casa esteve sempre em obras ou em melhoramentos, que fazíamos em família e que eram fantásticos, como cortar silvas, caiar a casa, pintar as janelas e as portas, os armários de madeira, arranjar os móveis...

Passei grande parte da minha infância (outra vez esta palavra pirosa) imersa em lama da ribeira ou em girinos, sapos e rãs, cobras, lagartixas, gafanhotos e passarinhos, alguns gatos e muito campo. Um campo delicioso e selvagem, com direito a andar sozinho à aventura, a construir casinhas e labirintos com os caixotes da apanha do tomate. Tínhamos uma eira à séria, poços proibidos, uma fonte desmontada e até um arco do tipo triunfal. A casa é um antigo lagar de azeite, com talhas de barro e tudo operacional. Uma casa espectacular.

Isto até ao dia em que a inevitabilidade dos assaltos tornou impossível continuar a ir lá. Isso parte-me (nos) o coração, mas acho que devemos aceitar que às vezes há capítulos que se encerram para se abrirem outros.

Ora chegou um dia a vez de esse monte de entulho ser desagregado. Os meus pais mandaram vir uma escavadora e nós os quatro ficámos de cima a comandar a obra. Eu devia ter cinco ou seis anos. A retro-escavadora, que fez as delícias dos meus dois irmãos, era enorme e, às tantas, abriu um buraco no chão. Um buraco mesmo, no qual, espreitando de cima, se podia ver o vazio, o nada. Fiquei aterrorizada. "Que horror! Afinal o chão é muito fino". Nem com muitas explicações os meus pais conseguiram tirar-me esta ideia da cabeça e lembro-me de ainda ter tido uns pesadelos com isso. Afinal, a máquina só tinha partido a tampa do colector do esgoto, que eu não sabia existir ali. O que me faz muitas vezes pensar que não conseguimos controlar nada nas cabeças dos miúdos e que se for para terem pesadelos vão mesmo ter.

(Ponho já o número um ao pé do título porque a probabilidade de ter mais tolices para contar é enorme.)