30/08/08

Um

Já está.

Eu sei, aliás constato-o agora, que esta é uma das expressões que mais uso. Foi o que disse quando o conservador meio desnorteado de Sintra disse que já estava casada, fazendo com que a sala inteira se largasse a rir. Já está. Não é uma muleta das mais cansativas - e ainda bem, porque não gosto de muletas: "de modos que, o diabo a quatro, prontos e portanto". Canso-me a contá-las quando as ouço e abstraio-me do resto da conversa. Até pode ser a melhor palestra do mundo, mas se vai dizer 65 vezes "digamos que...", tenho de contar quantas vezes o faz... Não, estou a gozar (esta expressão também uso muito). Também me farto de dizer "pronto, já passou", para acalmar as mazelas dos meus pequenotes. Assim, acalmo-os a eles e a mim, mesmo já tendo percebido que a melhor estratégia é não ligar nenhuma.

O que já está hoje é o primeiro mergulho no mar, em Sesimbra. Que sensação fixe. Ainda tenho os ouvidos debaixo de água, apesar de já ter saído de lá há mais de oito horas. Mas vale a pena. É, de facto, paz o que se encontra no fundo do mar - que, no meu caso, não foi muito longe do cimo do mar, mas já valeu.

29/08/08

Não consigo dormir

São 4h25 e não consigo dormir. A excitação com o meu primeiro mergulho de mar, daqui a umas horas, é a responsável - também já me custou imenso adormecer ao início do sono. Mas os miúdos ajudaram. Há dias em que estão especialmente endiabrados. Hoje, por exemplo.

Aos 2,30 metros, na piscina, não oiço nada. Aos 12 metros, no fundo do mar, deve ser a paz completa. Estou a adorar fazer isto, apesar da seca que estou a dar à minha mãe e irmã, que ficam com os miúdos.

25/08/08

Sonhos

Também eu. É impossível não ficar pelo menos levemente sensibilizado pela last lecture do Randy Pausch. Simplesmente porque apela aos melhores sentimentos que temos. É tudo sobre a vida, tudo sobre a infância e tudo sobre continuar a viver a infância à medida que crescemos. Sobre manter um entusiasmo em relação a tudo na vida.

Resisti durante muito tempo a ouvir a sua conversa, mesmo depois do NYTimes ma ter recomendado explicitamente. Resisti e resisti, porque o cancro e a morte iminente são assuntos que procuro esquecer - sem o conseguir, nunca. Mas depois, como sucede nas ondas do mar onde adoro andar, deixei de resistir, encostei-me para trás e vi e ouvi com muita atenção o que Randy Pausch tinha para me dizer. Com pena, como um bom livro que não queremos largar, tive de interromper esta conversa de mais de uma hora e, no seu fim, desligar.

Nunca fui, nem sou ainda, de grandes objectivos. Contento-me geralmente com o que tenho. Como é que pude esquecer-me que entre os meus sonhos de miúda se contava um piano? Mas sei que quero, ainda que não necessariamente por esta ordem:

- uma casa grande com jardim, se puder ter tectos altos fica perfeito;
- um piano vertical;
- filhos (tenho dois);
- uma vida feliz - pode parecer vago, mas acho que não posso ser muito específica, não deixar a felicidade encaixar dentro de tabelas muito rigorosas;
- a minha família toda por perto, saudável e feliz também - já falta uma parte, como lidar com isso?
- muito dinheiro - também não é preciso especificar muito.

Quem me conhece também sabe que não sou de grandes entusiasmos, mesmo que esteja a rebentar de excitação por dentro. É uma espécie de protecção, acho. A morte do meu irmão tornou-me pouco susceptível a excitações, uma vez confirmado que nada havia a fazer. Acho que foi aí que esse instinto nasceu.

Adorei a última aula.

18/08/08

Nas margens do rio

Nas margens do rio andámos uns dias. A cidade é pequena, cruza-se inúmeras vezes ao dia nas bicicletas com ar de local alugadas no hotel que antes foi um orfanato. Uma casa imensa que tem uma discoteca, instalada na igreja. Daí até ao centro só cinco minutos a pedalar.

A cidade é excelente. É acolhedora porque é pequena. É caseira, porque podemos passar o dia só a olhar as casas dos outros e a adivinhar-lhes a vida. Já antes disse que adoro olhar as janelas dos outros. Não é propriamente cuscice, uma vez que nem conheço as pessoas. Mas gosto de conhecer as janelas e de imaginar quem lá vive. Achei piada à concentração de berços e camas de grades às janelas, como se os bebés dormissem melhor com a luz e o barulho que vem da janela.

Adorei os ganchos no cimo das casas tortas para proteger a casa da intempérie, ganchos para fazer entrar e sair os móveis, uma vez que as mudanças têm de ser feitas pelas janelas. As portas são assim tão estreitas porque os impostos camarários eram cobrados em função da largura da casa para o rio. Assim, as casas são estreitinhas mas muito compridas. A maior parte das casas é muito torta, o que torna ainda mais divertido imaginar a vida das pessoas que vivem lá. Têm, calculo, mais facilidade em encontrar as coisas perdidas, porque devem deslizar sempre para os mesmo sítios, consoante a inclinação da casa.

Amsterdão é uma cidade muito original, de tão liberal que é. Nos seus cafés é proibido fumar cigarros. Mas é permitido fumar charros. Grupos enormes de rapazes circulam pelas ruas com o ar vagamente alienado de quem fuma o seu primeiro charro, alguns recostam-se nas coffee shops com ar relaxado. As raparigas são escassas, mas são bonitas ou, pelo menos, arranjadinhas. Até algumas das famosas raparigas das janelas no distrito da luz vermelha são bonitas. Mas aí não gosto de lhes adivinhar a vida.

Os canais multiplicam-se, as pessoas cruzam-se. Subimos vezes sem conta as mesmas pontes, vimos sempre caras diferentes. Conhecemos gente de países que mal conhecemos, como o Suriname ou Curaçao.

Comemos bem.

Que boa viagem.

11/08/08

Raizes

Sempre adorei aquelas árvores enormes que se espalham pelos campos, com uma copa muito larga que serve para proteger toda a gente do Sol de Verão. Há pessoas que são assim (como a minha mãe). Eu não sou, mas gostava de ser. Para já, sinto umas raizes compridíssimas que me ligam aos meus filhos, à minha família, à minha casinha... Mas ainda preciso de crescer muito. Trabalhar, ter filhos, pagar a conta da luz, da água e do telefone não são suficientes.

Acho que nunca vai acontecer olhar para o espelho e ver uma senhora crescida. Vejo sempre a mesma miúda. Sempre a mesma. Passar de filha para mãe é um salto enorme, mesmo querendo-o de todo o coração não se está preparado.

Agora que estou prestes a partir, deixando-os com os meus pais e irmãos, encho-me de dúvidas, de pequenas ansiedades. Ficam entregues ao melhor colo em que podiam ficar, mas não é fácil.

Da primeira vez que fui, quando o meu filho já tinha um ano e tinha deixado de mamar, voltei um dia antes de um fim-de-semana em Madrid. Nas ruas da cidade que adoro só vi carrinhos de bebés, bebés e crianças. Não consegui ver mais nada.

Depois, já tinha ele três anos, cinco dias em Londres e, aos três anos e meio, grávida da mais pequena, seis dias em Estocolmo. Desta vez já não me custou. Ele já era independente, já fui sem o coração nas mãos. Pude gozar as duas cidades calmamente - nunca perdendo, obviamente, a mania de contar cabeças e de me sobressaltar de cada vez que o fazia. Geralmente tenho de contar cinco cabeças, os meus filhos e os meus sobrinhos. Temos a mania de andar em bando. É uma das coisas que me deixa mais feliz.

Admiro com uma ponta de inveja os pais que são capazes de deixar os filhos pequenos e ter o passaporte cheio de carimbos de locais exóticos. Acho que voos de ligação ou 26 horas num avião não combinam comigo e com a minha maneira de viver. Sei que há bungalows lindíssimos em Bora Bora, sei que as paisagens e a tranquilidade são irrepetíveis. Sei isso tudo. Mas nem pensar em deixá-los. O máximo que admito é uma viagem de três ou quatro horas de avião. Não suporto a ideia de não poder chegar ao pé deles rapidamente.

Adoro ir e adoro poder de vez em quando ir sem eles, recuperar rotinas, ir sair, deitar tarde, não ter de andar com o protector solar atrás, comer sem horas, lanchar só porcarias, beber.

Adoro voltar.

09/08/08

Janelas fechadas

Adoro janelas.

Especialmente janelas de casas com um pé direito fantástico. Acho sempre que devia viver numa casa assim, com muita luz. Se houver outras vidas, se pudermos ter vivido outra vida antes desta, tenho a certeza que vivi numa casa grande, enorme, com corredores com chão de madeira encerada ladeados por portas gigantescas, com quartos com tectos e paredes trabalhados, com janelas semi-cobertas por cortinas diáfanas. Na cozinha, uma chaminé em vez de um exaustor, cheira a pão acabado de cozer e a arroz doce. O chá é servido à hora dele, com bolachinhas e conversas sociais. Adoro receber pessoas em casa. Adoro preparar festas. Adorava ter uma casa com janelas grandes e poder dar muitas festas.

Como a casa dos meus avós.

Adoro olhar para as janelas bonitas e pensar como vivem a vida as pessoas que aí moram. Serão felizes por trás dos seus estores e cortinados? O que faz alguém pendurar cortinados de renda numa janela? Terão rotinas de família ou jantarão cada um por si, sozinhos, à frente da televisão? Quem trata da roupa, da comida, de desentupir sanitas, de pendurar quadros? Quem põe e levanta a mesa, quem faz a comida? Assim, ainda adoro mais ver as janelas das casas das cidades antigas e que mantêm a sua riqueza, como Paris, Londres ou Madrid. Impressiona-me imenso conseguirem manter as casas lindas lindas como no início. Quem me dera poder ler a vida dos outros.

A vida dos outros faz-me sempre imensa curiosidade.

07/08/08

Pelos olhos dos outros

Bem sei que toda a gente diz o mesmo, mas ter tido filhos foi uma viragem enorme na minha vida. Primeiro porque passei a trabalhar em casa. Mas isso foi o menos radical.

Acho que comecei a sentir as dores das outras mães todas no mundo. Comecei a ver o mundo pelos olhos das mães. Também comecei a ter nostalgia da minha infância - perfeita, simples, descomplicada, compincha, divertida, acompanhada por uma família perfeita, simples, descomplicada, compincha e divertida - ao ver as pequenas conquistas e as experiências dos meus filhos. Todos os dias.

Ter férias na praia, o primeiro banho consciente de mar, brincar com os amigos, fazer amigos novinhos em folha com a maior das facilidades (como é que se fazem amigos hoje em dia?), ter avós muito amigos por perto, disponíveis e não só nas fotografias, andar nu o dia todo, querer gelados e bolos a todas as horas e comê-los, não ter de pensar no regresso a casa, em arrendar casa para as férias, em tirar as fotografias e organizá-las por álbuns. Há coisa mais perfeita do que esta liberdade infantil? Adoro ver os meus filhos a fazer isto tudo. Tenho pena de não poder fazer isto como eles. Daí a nostalgia.

Quando eles nasceram comecei também a fazer coisas estranhas. Descascar fruta - eu, sempre preguiçosa de comer fruta para não ter de a descascar, logo, banana fruta preferida. Acordar às 3h da manhã para dar um copo de água ao mais velho - "e eu? e eu?" a mais pequena meia hora mais tarde. Acordar à hora que eles quiserem de manhã, quando o que eu quero mesmo é dormir até às 9h. Organizar a minha vida pelos horários deles - esta confesso que não me custa nada, gosto que tenham ritmos deles e de ter a família organizada.

Estas férias estão a ser muito boas para eles. Adoro isso.

Estilo até aos 12 anos

Adoro ver miúdos com estilo. Miúdos e miúdas, sublinhe-se. Nalguns o estilo é natural, noutros é muito trabalhado. Os primeiros têm mais estilo. Os outros são geralmente iguais uns aos outros.

É difícil ter estilo num hospital pediátrico, de chinelos de praia e prestes a ir ser operado a qualquer coisa complicada.

Hoje estava um miúdo na Estefânia daqueles mesmo textbook estiloso. E ainda por cima era bonito.

Em princípio, antes dos 12 anos o estilo não acontece assim, ou seja, só depois de se deixar de ter idade de estar na pediatria é que os miúdos passam a ter estilo, não é? Este não, sempre deve ter sido assim. Giríssimo. Quero que o meu filho seja assim quando passar a ser intermédio.

04/08/08

80 e muitos estilos

Há quase 15 anos que a vejo chegar à praia, sempre com o mesmo ar feliz, com o mesmo cabelo branco junto à cabeça. Quem já cá estava antes já a via vir há muitos mais.

A praia é óptima, mas não é a típica praia do Algarve, com mar de caldo, sem ondas e lisa. A entrada é acentuada, com pequenas pedras e conchinhas partidas que podem magoar os pés e mesmo as pernas - as ondas não são meiguinhas, é uma maneira de o dizer.

A rebentação é forte, o mar puxa, mas não dá para nos guiarmos pela bandeira do nadador-salvador, inexistente. Entra, faz uns sons de satisfação engraçadíssimos e começa a nadar. Nada, nada, com um ar tão feliz como um miúdo pequenito que chega pela primeira vez ao mar. Sem medo, sem olhar para o lado. Fantástica no seu corpo que ganha vivacidade na água brava.

À saída, se está sozinha, pede a quem por ali anda que a ajude a vencer a rebentação. Vem para a praia, mesmo sem boleia, de autocarro, a pé ou como calha. Fica triste se num dia de Verão não toma banho.

A senhora dos cabelos brancos há-de ter aí uns 80 e muitos anos. Mas muito estilo.