"Não, não, não pode ser..."
Segura a cabeça com as mãos, enquanto abana o corpo desalentado, debaixo do telheiro do restaurante na bomba da A1. A caminho do Porto, onde tem uma entrevista às 15h e onde conta chegar mesmo à justa, segue num autocarro, que faz uma paragem na bomba da Mealhada. É a hora do almoço e o rapaz, de ar completamente inofensivo e que leva na cabeça um gorro à Bob Marley, só mais discreto nas cores, e umas calças muito largas, decide almoçar.
Uma sandes de leitão - um petisco - e um sumo. Come. O autocarro, que parece do Benfica, continua no mesmo sítio. Vejo-o pelo canto do olho, enquanto converso e mastigo tranquilamente a minha sandes de leitão, se calhar devíamos ter pedido só uma para as duas... Esquecemo-nos de pedir o molho. Deixa lá, fica para o lanche, dizes-me.
Enquanto regresso da casa de banho, no piso inferior, ouço-o a fazer o relato da sua desventura às senhoras do restaurante. O autocarro foi-se embora, deixando-o a lamuriar-se de não ter a mala, nem a carteira, e de ter a tal entrevista, que é mesmo muito importante.
Ouço-o a contar a sua história e tenho de morder a língua para não dizer:
Podes vir connosco.
Tenho de morder a língua mesmo, porque somos duas. Mas, enquanto varro rapidamente com os olhos o restaurante, vejo pequenos grupos de homens ou rapazes que, sem problema nenhum, poderão resolver o problema ao rapaz e o nosso de consciência.
Fico irritada, claro. Entramos no carro, a debater a questão. E ainda vamos a falar sobre o caso quando se aproxima ao longe um Mercedes cinzento claro.
Queres ver? O rapaz já apanhou boleia e vem neste carro.
"Será?"
O Mercedes passa por nós depressa, exactamente à mesma velocidade que passa o rapaz do gorro à boleia, salvo do seu infortúnio.
1 comentário:
...foi tão bom vê-lo passar! E acreditar que mais à frente, na Antuã (?!) o autocarro estava à sua espera!
Será que conseguiu o emprego?
PS- Rapaz do gorro, se estás a ler este blog, responde, por favor e tranquiliza-nos!
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