31/05/09
Sem ninguém saber
Sem ninguém saber, hoje estive na ronha. Mercê dos compromissos sociais do meu filho tive duas horinhas grátis para passear. Comi um sorbet delicioso de framboesa e uma bolacha gigante. Vi passar um casal apaixonado, estranhamente vestido com camuflados da tropa, a rapariga levava umas botas enormes também da tropa. Eu tive calor nas minhas sandálias da praia. Achei a imagem dela estranha (imagem da wikipedia).
26/05/09
Por uns minutos
Acordei cedinho esta manhã, tomei um banho rápido, vesti as calças cinzentas que estavam ao fundo da cama, escolhi uma camisa ao calhas do armário. Esqueci a gravata, pus os sapatos do fim-de-semana. Na mesinha de cabeceira apanhei a aliança, baça do uso, e o relógio com o vidro partido mas que continua a funcionar. Saí do quarto em silêncio enquanto tu respiravas tranquilamente, a dormir apesar da luz do Sol que entrava já pela janela, a prometer um dia bonito e a fazer reflexos nas paredes, no teu cabelo e no chão encerado.
Apanhei uma maçã vermelha e saí de casa apressado. Apanhei o autocarro. Deixei-me embalar pelas rodas grossas, passando por lombas e pedras, buracos e finalmente a auto-estrada. Quando cheguei ao hospital levava as requisições para exames comigo e fui andando até encontrar o sítio certo. Bem disposto, pensava no livro que ando a ler, lamentando não o ter trazido comigo. Ontem ficou debaixo do triciclo da pequenita enquanto estivemos a jogar aos índios e cowboys. Logo à noite acabo-o.
Trivialidades, as luzes, as cores do hospital. Tentar adivinhar na cara dos outros em silêncio o que os consome. Estarão doentes ou são de rotinas? Chamaram-me e lá fui andando mas continuei neste jogo que jogamos há 25 anos, de adivinhar as vidas dos outros pelas suas caras, pelos sapatos...
Foi só quando já estava deitado há um bocadinho, o médico que não sei se era médico de costas para mim a escrever qualquer coisa no computador, que tive um baque. Conheço bem esta sensação, de túnel, este desespero que me sobe pela garganta acima e que parece que vai explodir numa torrente de palavras ou num grito.
Obrigo-me a respirar calmamente, brinco com o médico que não sei se era médico, explico-lhe porque estou ali, por nada, por rotina, porque a minha mulher me obriga, porque me quer saudável até, como combinámos, fazermos os dois cem anos, amigos e a dar os nossos passeios nocturnos ou matinais.
Foi nesses minutos, entre o início do exame e o momento em que atabalhoadamente apertava as calças e o cinto no fim da breve consulta, que pensei que a minha vida ia mudar, temendo pelo fim das nossas rotinas que adoro. Enquanto ouvia o médico que devia ser médico a ditar para o computador que estava tudo bem, tudo normal, tudo como eu queria, benzia-me interiormente, apesar de não ser católico o que aprendi em pequeno faz parte de mim, agora é continuar a gozar bem a vida. Liguei-te obviamente, como um miúdo. Hoje vamos festejar.
Apanhei uma maçã vermelha e saí de casa apressado. Apanhei o autocarro. Deixei-me embalar pelas rodas grossas, passando por lombas e pedras, buracos e finalmente a auto-estrada. Quando cheguei ao hospital levava as requisições para exames comigo e fui andando até encontrar o sítio certo. Bem disposto, pensava no livro que ando a ler, lamentando não o ter trazido comigo. Ontem ficou debaixo do triciclo da pequenita enquanto estivemos a jogar aos índios e cowboys. Logo à noite acabo-o.
Trivialidades, as luzes, as cores do hospital. Tentar adivinhar na cara dos outros em silêncio o que os consome. Estarão doentes ou são de rotinas? Chamaram-me e lá fui andando mas continuei neste jogo que jogamos há 25 anos, de adivinhar as vidas dos outros pelas suas caras, pelos sapatos...
Foi só quando já estava deitado há um bocadinho, o médico que não sei se era médico de costas para mim a escrever qualquer coisa no computador, que tive um baque. Conheço bem esta sensação, de túnel, este desespero que me sobe pela garganta acima e que parece que vai explodir numa torrente de palavras ou num grito.
Obrigo-me a respirar calmamente, brinco com o médico que não sei se era médico, explico-lhe porque estou ali, por nada, por rotina, porque a minha mulher me obriga, porque me quer saudável até, como combinámos, fazermos os dois cem anos, amigos e a dar os nossos passeios nocturnos ou matinais.
Foi nesses minutos, entre o início do exame e o momento em que atabalhoadamente apertava as calças e o cinto no fim da breve consulta, que pensei que a minha vida ia mudar, temendo pelo fim das nossas rotinas que adoro. Enquanto ouvia o médico que devia ser médico a ditar para o computador que estava tudo bem, tudo normal, tudo como eu queria, benzia-me interiormente, apesar de não ser católico o que aprendi em pequeno faz parte de mim, agora é continuar a gozar bem a vida. Liguei-te obviamente, como um miúdo. Hoje vamos festejar.
25/05/09
Imagens sugestivas
Há imagens, vistas ou imaginadas, que perduram na memória, surgindo ocasionalmente quando menos se espera. Tenho muitas boas imagens para puxar quando me apetece. As cores brilhantes do Verão em Abrantes, o cheiro da praia e a sensação aquática de estar mergulhada (que repetia durante o Inverno na banheira mergulhando a cabeça dentro de água durante forever, o que o meu filho mais velho também faz, ficando eu entre o enternecido a olhar para ele, sortudo que ainda cabe na banheira e o medo silencioso de pensar que já está sem respirar há muito tempo). Posso lembrar-me facilmente de fazer empadas com a minha avó ou de medir os centímetros todos da casa enorme dos meus avós que não conheci, procurando vestígios deles. Posso lembrar-me facilmente dos dias em que faltava à escola por ronha ou por estar doente e tinha direito a ficar em casa dos meus avós e do livro tristíssimo que o meu avô escritor traduziu do francês só para me poder ler e de ficarmos os dois tristonhos mas compinchas. Posso lembrar-me de comer comacompão com papos-secos ou de comê-los com açúcar e manteiga, ou de mergulhar o pão no leite, simplesmente para não ter de o beber.
Também me lembro dos meus pais novinhos e lindos, dos passeios fantásticos às retrosarias todas da Baixa em busca de botões com formas para calções ou vestidos novos. E de ver o meu filho e depois a minha filha pela primeira vez, será que vou ser capaz de fazer tudo bem? Não faço ideia...
Depois de voltar de Nova Iorque, onde simplesmente a-d-o-r-e-i ir, sempre que pegava na escova de dentes tinha flashbacks da viagem. Mas era só ao fim do dia, em casa. Quando lavava os dentes a seguir ao almoço no jornal não tinha a mesma sensação. Quando lavava os dentes de manhã antes de sair a correr para o trabalho nem pensar em pensar.
E depois há imagens más, que também se colam a nós e que era bom podermos esquecer. A última imagem má que tive foi a de uma cobra enroladinha no congelador de um tipo qualquer. É medonho, não consigo esquecer-me dela. A foto faz parte de um trabalho que adorava fazer, uma série de fotografias de frigoríficos e vale a pena ver a série toda. Já disse que sou curiosa das vidas das outras pessoas. Os frigoríficos podem ser super pessoais.
Também me lembro dos meus pais novinhos e lindos, dos passeios fantásticos às retrosarias todas da Baixa em busca de botões com formas para calções ou vestidos novos. E de ver o meu filho e depois a minha filha pela primeira vez, será que vou ser capaz de fazer tudo bem? Não faço ideia...
Depois de voltar de Nova Iorque, onde simplesmente a-d-o-r-e-i ir, sempre que pegava na escova de dentes tinha flashbacks da viagem. Mas era só ao fim do dia, em casa. Quando lavava os dentes a seguir ao almoço no jornal não tinha a mesma sensação. Quando lavava os dentes de manhã antes de sair a correr para o trabalho nem pensar em pensar.
E depois há imagens más, que também se colam a nós e que era bom podermos esquecer. A última imagem má que tive foi a de uma cobra enroladinha no congelador de um tipo qualquer. É medonho, não consigo esquecer-me dela. A foto faz parte de um trabalho que adorava fazer, uma série de fotografias de frigoríficos e vale a pena ver a série toda. Já disse que sou curiosa das vidas das outras pessoas. Os frigoríficos podem ser super pessoais.
21/05/09
Festa rija
O meu irmão mais novo casou-se.
Teve direito a um dia fantástico, lindo e perfeito, que correu bem da cabeça aos pés.
Nós tivemos direito a um discurso que pôs a sala inteira a chorar, a falar sobre o nosso irmão e a falta imensa que nos faz. Arrumou-me durante umas duas horas.
Na pista dançou-se até às 8h. Era essa a ideia.
O casamento foi muito alegre. Muito mesmo. A quinta estava cheia de amigos e família. E amigos novos e família nova.
Espero que sejam muito felizes e amigos.
Teve direito a um dia fantástico, lindo e perfeito, que correu bem da cabeça aos pés.
Nós tivemos direito a um discurso que pôs a sala inteira a chorar, a falar sobre o nosso irmão e a falta imensa que nos faz. Arrumou-me durante umas duas horas.
Na pista dançou-se até às 8h. Era essa a ideia.
O casamento foi muito alegre. Muito mesmo. A quinta estava cheia de amigos e família. E amigos novos e família nova.
Espero que sejam muito felizes e amigos.
18/05/09
Todos os dias
Todos os dias, de manhã, acordo num sítio estranho. Dou os bons dias às pessoas com quem me cruzo. Pessoas estranhas, que sorriem e respondem ao meu cumprimento. Todas sabem o meu nome. Isso perturba-me mas apenas momentaneamente e ninguém dá por isso.
Todos os dias visto o meu fato e a camisa que alguém engomou. Ponho a gravata com o nó que aprendi a fazer sozinho há 84 anos, no ano antes de entrar para a universidade. Calço pacientemente as meias pretas e os sapatos que deixaram aos pés da cama, desço para tomar o pequeno-almoço. Já não uso relógio, não preciso de ver fisicamente o tempo a passar, sinto-o nas mãos enrugadas, no cabelo que não tenho na cabeça, nos velhotes que vão desaparecendo da sala comum. Aí vejo um pouco de televisão, sem a ver propriamente, olho para dentro, penso em coisas boas, penso nos meus filhos em pequenos. Não há melhor e mais doce lembrança que a dos miúdos a crescer, vê-los a repetir os mesmos erros parvos que nós.
Enrolo-me nos meus anos, com medo do que está para vir. Há muito tempo que tenho esta sensação, do medo da morte, da pequenez da vida. Sinto falta dos meus netos, dos meus amigos, dos passarinhos, de andar na rua, sinto falta da genica das pernas, de ser capaz de fazer os laços nos meus próprios sapatos. Lembro-me de passear pelas ruas com os miúdos pela mão, lembro-me de conversarmos muito. Lembro-me de os ver a crescer, a ficar autónomos e a irem para a vida. Mas hoje já não é fácil lembrar-me do nome ou da cara deles ou acertar com os dois ao mesmo tempo. Os bisnetos são uma vaga ideia, não sei quantos são.
Fiz cem anos, o que me aterrorizou. Cem anos de uma vida boa, sem grandes chatices, uma vida anterior à República, anterior à I e à II Guerras Mundiais, à crise de 39, à televisão, à lua, à internet, ao telefone, a quase tudo o que é hoje o mundo...
Parabéns avô.
Todos os dias visto o meu fato e a camisa que alguém engomou. Ponho a gravata com o nó que aprendi a fazer sozinho há 84 anos, no ano antes de entrar para a universidade. Calço pacientemente as meias pretas e os sapatos que deixaram aos pés da cama, desço para tomar o pequeno-almoço. Já não uso relógio, não preciso de ver fisicamente o tempo a passar, sinto-o nas mãos enrugadas, no cabelo que não tenho na cabeça, nos velhotes que vão desaparecendo da sala comum. Aí vejo um pouco de televisão, sem a ver propriamente, olho para dentro, penso em coisas boas, penso nos meus filhos em pequenos. Não há melhor e mais doce lembrança que a dos miúdos a crescer, vê-los a repetir os mesmos erros parvos que nós.
Enrolo-me nos meus anos, com medo do que está para vir. Há muito tempo que tenho esta sensação, do medo da morte, da pequenez da vida. Sinto falta dos meus netos, dos meus amigos, dos passarinhos, de andar na rua, sinto falta da genica das pernas, de ser capaz de fazer os laços nos meus próprios sapatos. Lembro-me de passear pelas ruas com os miúdos pela mão, lembro-me de conversarmos muito. Lembro-me de os ver a crescer, a ficar autónomos e a irem para a vida. Mas hoje já não é fácil lembrar-me do nome ou da cara deles ou acertar com os dois ao mesmo tempo. Os bisnetos são uma vaga ideia, não sei quantos são.
Fiz cem anos, o que me aterrorizou. Cem anos de uma vida boa, sem grandes chatices, uma vida anterior à República, anterior à I e à II Guerras Mundiais, à crise de 39, à televisão, à lua, à internet, ao telefone, a quase tudo o que é hoje o mundo...
Parabéns avô.
14/05/09
Há dias... [2]
Há dias tramados em que tudo corre mal:
- é a porcaria da chave que só abre metade das portas do carro, justamente as do lado contrário;
- é o gormiti que cai para debaixo de um carro, para o meiozinho do carro, obrigando-me a deitar-me mesmo no chão para o apanhar (sem conseguir);
- é a porcaria dos elevadores que estão os dois em uso, horas seguidas;
- é a porcaria dos sacos de compras que trilham os dedos por causa do excesso de peso;
- é a porcaria de não ter uma impressora de jeito, que obriga a que me levante para a pôr a funcionar carregando num botão (24 vezes seguidas);
- é a porcaria do k-line e da cola em spray que se fundem no finzinho de um processo limpinho e transferem uma mancha negra para um cartaz lindo e único;
- é a porcaria da porta que toca precisamente às 18h quando desejávamos que as pessoas se atrasassem só cinco minutinhos;
- é a porcaria de não acertar algumas coisas à primeira.
Há dias assim.
- é a porcaria da chave que só abre metade das portas do carro, justamente as do lado contrário;
- é o gormiti que cai para debaixo de um carro, para o meiozinho do carro, obrigando-me a deitar-me mesmo no chão para o apanhar (sem conseguir);
- é a porcaria dos elevadores que estão os dois em uso, horas seguidas;
- é a porcaria dos sacos de compras que trilham os dedos por causa do excesso de peso;
- é a porcaria de não ter uma impressora de jeito, que obriga a que me levante para a pôr a funcionar carregando num botão (24 vezes seguidas);
- é a porcaria do k-line e da cola em spray que se fundem no finzinho de um processo limpinho e transferem uma mancha negra para um cartaz lindo e único;
- é a porcaria da porta que toca precisamente às 18h quando desejávamos que as pessoas se atrasassem só cinco minutinhos;
- é a porcaria de não acertar algumas coisas à primeira.
Há dias assim.
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