Hoje a minha avó morreu.
A minha avó mãe do meu pai e a única avó que conheci viva. Sei que os últimos tempos foram difíceis. Sei que apesar de não ter dores, a vida fugia-lhe depressa. Os sorrisos eram cada vez mais de quem só sorri por simpatia e de quem pensa "se soubessem o que eu penso...". Há muito tempo que andava metida com os seus pensamentos. Mastigava as ideias com ar de quem não estava ao pé de nós. Depois falava lucidamente.
Nem sei o que pensar. Penso só que estou triste. Penso que tenho saudades da minha avó. Da infância que tinha quando a tinha inteirinha para mim.
Avó, amiga, foi muito importante na minha vida. Muito importante na minha infância.
Dava-me banho, recheava-me carcaças com queijo flamengo que guardava numa caixinha de plástico quadrada branca no frigorífico, deixava-me mexer a massa das filhós e das empadas na taça branca de faiança em cima da mesa laranja da cozinha. Deixava-me beber o leite pelas chávenas de melamina, uma laranja uma vermelha, cada uma com seu pires a condizer. Tapava-me com o cobertor a imitar leopardo de um lado e vermelho carmim do outro. Deixava-me brincar com as roupas que tinha num roupeiro e que nunca usava. Chapéus dos anos 50, vestidos de seda chineses, fatos de cerimónia, sapatos de salto alto, colares, laços do avô, lenços, corpetes. Deixava-me brincar com os anéis do pratinho pequenino do quarto. Penteava-me o cabelo. Deixava-me desarrumar e arrumar 40 vezes os armários todos da cozinha e meter-me lá dentro. Sempre adorei mexericar nos copos chiques com relevo que enchiam os armários da cozinha. Deixava-me organizar as gavetas pequeninas da mesa da sala de jantar onde nos pendurávamos a fazer ginástica. Acho que passeava um bocadinho comigo.
Também me lembro muito bem do maravilhamento que era vê-la escrever, com a sua letra de ponto cruz. Do maravilhamento de a ver pôr e tirar as meias e as ligas que nunca vi em mais lado nenhum. De ver as suas gavetas e a sua caixa-de-costura em miniatura. De abrir e fechar o seu guarda-chuva super elegante com cabo branco (o tecido era azul ou era rosa?). De vestir as suas coisas para brincar ao carnaval. De calçar os seus sapatos para fazer barulho pela casa toda. Da vez em que fomos ao cinema, quando comprei um blusão de ganga demasiado grande só porque era o único que havia e porque não podia passar desse dia. Da outra vez em que fomos à Pizza Hut e depois ao cinema.
De a ver comer gomas e pizzas como uma miúda pequena. De ir ao supermercado e comprar a comida em quantidades mini e depois vê-la cozinhar nos tachos em miniatura, com tampas em miniatura, para dois. Do seu arroz doce. Da sua marmelada que se cortava às fatias, quando a nossa nunca chegava a arrefecer nas tigelas apesar de a panela onde a minha mãe a fazia nos suportar inteiros lá dentro.
A avó nunca conheceu os meus filhos como deve ser, mas havia de gostar deles. Nem os da minha irmã, nem os dos primos. A vida é assim. Um ciclo. Amanhã havemos de amparar o pai. Consolá-lo com a vida difícil que a avó andava a ter. Com a paz que agora tem.
Saudades e beijinhos avó.
2 comentários:
Força Joaninha.
Eu ainda tenho duas avós. Mas as duas em compasso de despedida. Hoje, por acaso, tenho uma no hospital. Sentiu-se mal... Beijos para ti e para as avós todas.
Beijinhos .
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