Aos poucos, numa livraria perto de Lisboa, vai lendo o Rio das Flores de Miguel Sousa Tavares. Devagarinho, à medida do tempo disponível para se sentar num dos cadeirões pretos, à medida do tempo disponível para não estar a fazer nada. Só a ler.
Tem tempo, tem pouco que fazer. Gosta desta vida silenciosa, de estar ali, onde ninguém a chateia, perdida num livro que não vai comprar. Há muitos muitos anos que está sozinha. Faz-lhe falta companhia. Programas. Cultura.
Um dia, numa destas sessões de leitura na livraria, aconchegada nos cadeirões, protegida do frio e do isolamento da rua, entre outros que lêem livros com o mesmo objectivo de fazer tempo, detecta uma presença nas páginas do "seu" livro. Uma marca que vai sendo mudada, à medida que a história avança. Mais páginas lidas de um dia para o outro...
Inquieta-se. Pensa nessa outra pessoa. Quem será? O que faz? Porque lê o Rio das Flores na livraria e não compra o livro? Será homem ou mulher? Diverte-se com esta conversa interior. Antecipa, como a miúda que foi, um encontro, um reconhecimento, uma alma gémea. E o que vier depois disso. Se calhar já se cruzaram, enquanto ela estava absorta no seu livro e ele não encontrava o dele na estante. Terá estado a observá-la secretamente, cobiçando o exemplar do livro? Pensará o mesmo? Terá também detectado uma presença?
Depois, uma inquietação, o que fazer quando o livro acabar? Se este for o único elo de ligação, como não o perder? Deixar uma mensagem? Um telefone? E se, como sucede com as vozes da rádio, o real não corresponder ao esperado?
E, entretanto, o sobressalto todas as vezes: será que é hoje que vamos conhecer-nos?
2 comentários:
Man, onde é que está o resto da história? É bom de mais para ficar por aqui!
Eu dei uma série de dicas sobre como dar um avanço à história (deixar um post it a perguntar se está a gostar do livro, deixar um telefone, um ponto de interrogação...) e há abertura, não sei como se passará. Era fantástico se se concretizasse.
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