18/03/09

Ódios de estimação

Tenho um péssimo defeito: acho que às vezes sou um bocado rancorosa. Por dois motivos: o primeiro é que enquanto estou a ficar ofendida não digo nada ao ofensor. Disparate. Devemos reagir rápido para dormir bem à noite. Segundo motivo: como não reago logo durmo mal à noite. Fico a magicar, formulo respostas inteligentes e saídas airosas, vinganças (às claras) justas e outras recuperações da dignidade - que funcionariam muito melhor se tivessem sido feitas na hora.

Na faculdade tive um professor cujas aulas adorava, porque saía de lá a sentir-me super inteligente, refrescada de informações e curiosidades. Aulas de cultura geral ou qualquer coisa do género, em que éramos banhados com tudo o que havia para saber sobre a cultura portuguesa e a história e coisas maravilhosas que se passavam nas ruas de Lisboa ou noutros recantos do reino ou da república ou mesmo do mundo. Era um professor fenomenal.

Tristemente, vim a perceber que humanamente era um nojo. Deu-me aulas num ano em que eu entrava nas salas a pairar e achava que nem sequer tocava no chão, chorava baixinho e sem lágrimas, ouvia o que os professores diziam mas talvez não fosse muito capaz de o reproduzir, chegava a casa e sentava-me à frente dos cadernos mas não os lia, não fazia ideia do que lá vinha. Nesse ano, fiz as cadeiras todas a dez. De ouvido. Este professor - que sabia o que se tinha passado para justificar o meu alheamento das aulas e as minhas respostas básicas - achou que eu devia ir a oral. Na oral aproveitou para brilhar, fazendo discursos inflamados sobre as perguntas da frequência. Sentado ao seu lado, o professor de português assistia, encolhido e envorgonhado, ao espectáculo. O génio não me fez nenhuma pergunta. Só quis envergonhar-me. E continuou impassível apesar de me ver a chorar incontrolavelmente. Não me lembro de nunca me ter sentido tão acossada.

Tive pesadelos com este tipo anos a fio. Via-me a levantar-me da cadeira e a dizer-lhe que seguramente não calculava o que se passava na minha cabeça e que não tinha o direito de enxovalhar publicamente ninguém. Sei lá o que é que eu lhe disse...

Este homem culto, humanista e sábio revelou que afinal era só um homenzinho, reles e sem alma. Quem me dera libertar-me deste sentimento.

5 comentários:

Raquel disse...

Quem é que era? Vou já ver os professores todos que tivemos para perceber que foi o anormal!

Claudia disse...

Também tenho memórias dessas!!! Infelizmente também conheci abéculas nos meus tempos de universidade.
Também tenho ódios de estimação e detesto que esss pensamentos me venham à cabeça...
Queres organizar uma milícia e furar os pneus a esses monstros da memória todos???

Joaninha disse...

Tão querida Raquel, era um Adérito qualquer. Vi-o há anos na Feira do Livro e achei-o tão pequenino... E universidade que não tenha abéculas não é universidade, certo, Claúdia? Furar pneus dá muito trabalho, vamos só desejar-lhes verrugas em sítios feios.

Raquel disse...

Já sei quem é!... Era um bocado parvo, era!
Tenho mail dele, se quiseres mandar-lhe verrugas.

Joaninha disse...

Deixa lá, sou superior a isso... :) (como se infere do texto que escrevi)